domingo, 10 de abril de 2011

Jorge de Sena

O ESCRITOR DO EXÍLIO

"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade" J. de S.


Nasceu em  Lisboa, a 2 de Novembro de 1919, e faleceu em Santa Barbara, na Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Apesar de continuar desconhecido do grande público, este poeta, crítico, ensaísta, ficcionista e dramaturgo surge como uma figura incontornável da cultura portuguesa do século XX.

Descobre a biografia de Jorge de Sena no Centro Virtual Camões.

Os paraísos artificiais

Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.

Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.

O cântico das aves — não há cânticos,
mas só canários de 3.º andar e papagaios de 5.º
E a música do vento é frio nos pardieiros.

Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.

A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.

                                        Jorge de Sena, in "Pedra Filosofal"


Felicidade

A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela.
Tinha feições de menino inconsolável.
Um menino impúbere
ainda sem amor para ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo pelas faces humanas.

E, como menino que era,
achava um grande mistério no seu próprio nome.

                                        Jorge de Sena, in "Perseguição"



Fotografia de Fernando Lemos



Em Creta, com o Minotauro

Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro queria que
este mesmo fosse. Mas se um dia me esquecer de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha.
(...)
                  Jorge de Sena, in "Peregrinatio ad loca infecta"



Uma Pequenina Luz

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una piccola… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.

               Jorge de Sena, in "Fidelidade"





     
                               in "Metamorfoses", declamado por Mário Viegas





Bibliografia da obra ficcional:

Andanças do Demónio (1960)
A Noite que Fora de Natal (1961)
Novas Andanças do Demónio (1966)
Os Grão-Capitães: Uma Sequência de Contos (1976)
O Físico Prodigioso (1977)
Antigas e Novas Andanças do Demónio (1978)
Sinais de Fogo (1979)
Génesis (1983)
Monte Cativo e Outros Projectos de Ficção (1994).
















domingo, 3 de abril de 2011

Chegou a primavera dos livros!


 Feira do Livro,
 na Biblioteca, de 4 a 13 de Abril.


Convite a Marília

Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.

Varrendo os ares, o sutil nordeste
Os torna azuis; as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

                                           Manuel Maria Barbosa du Bocage